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fictions

Mata Virgem

Obs: Esse é um trecho de uma história cujas outras partes nunca foram escritas, ignore a falta de contexto geral. Quis publicá-la porque gosto muito do resultado dessa cena, escrever literatura erótica é difícil.

Estava deitada, meio apertada no sofá de dois lugares, com as pernas no colo do Miguel. Ele tinha trazido uns chocolates, daqueles bem vagabundos mesmo, feitos em casa. E colocou umas músicas de bandas nacionais dos anos 80. Nessa epoca eu ja tinha desistido de receber ele de lingerie, acabei botando um top qualquer e um short de academia. Se a Sandra me visse, com certeza brigaria comigo por estar sendo pouco profissional

No meio de uma mordida nos chocolates, ele ficou olhando pros meus pés.

— Teus dedos são horrorosos Fernanda — Disse mastigando, meio sorrindo, com a boca cheia, e deu um gole no copo de água de cima da mesinha.

A Fada do Bigodão

Luíza, deitada na cama, encarava o teto salpicado de estrelinhas adesivas cheias de glitter. O quarto tinha sido decorado quando ela tinha oito anos. Na época, fazia sentido. Agora, ela tinha trinta e seis, e os pontinhos brilhantes tinham sido ressignificados por uma vida de insucessos. Cada estrelinha era como um sonho morto.

Dezessete Graus

Ana enlouquecia com o ar condicionado, ou melhor, com a falta dele. O apartamento de uma única e estreita janela a fazia andar quase nua. Era isso ou a combustão. Escolheu gastar as economias no concerto, a outra opção seria gastá-las inventando motivos para se ausentar do pequeno forno ao qual chamava de lar, mas sairia mais caro.

J de Jemido

Jota revirou-se na cama, transbordando de auto piedade. Tentava expor ao mundo a terrível moléstia da qual padecia, mas fracassava em convencer até a si mesmo. O rosto se iluminava, intermitente, com a luz da tela do celular. Não tinha forças pra começar nada, tão pouco conseguia deixar de responder a cada tremida ou apito de comando do aparelho.

Onde ninguém jamais esteve

A Nemo saiu de dobra num solavanco e todos os alarmes começaram a soar. Os sensores indicavam uma ejeção de massa coronal. A gigante vermelha que os havia chutado para fora do hiperespaço agora atraia a nave com seu campo gravitacional imenso. Os motores de empuxo estavam no limite, mas a nave continuou desacelerando até parar, então passou a mover-se em direção a estrela.

Depiladora e Pedicure

Os irmãos tiveram de atravessar a cidade inteira para chegar no local da demanda. Busão lotado, foi o que deu pra fazer. De tão baixa que era a recompensa, se fossem pagar um uber ficariam no prejuízo.

— Cleiton, vai se adiantando aí que a gente desce na próxima.

— Cara, acho que não vai dar não. Tô mal conseguindo respirar aqui e tu quer que eu me mexa?

— Bora, Cleiton, deixa de graça! Senão, tu sabe como tá lá em casa, tem nem pra janta hoje.

— Tá certo — Cleiton suspirou. — Senhora, leva mal não, mas vou ter que dar uma forçadinha aqui pra passar. Com todo respeito aí, beleza?

Infalível

Era uma profecia, a tradução indicava o fim do mundo pra dali a dois dias. Rogério tirou os óculos e coçou a barba. Quatorze meses metido no meio da floresta, calor, mosquitos do tamanho de um boeing, malária, bolsa atrasada. Ele tinha superado tudo na esperança de encontrar um artefato realmente significativo, algo para provar a diversidade cultural dos Yatan em relação ao resto das Américas. E agora, a grande descoberta era uma cópia mal engendrada das profecias de apocalipse Maias.

Oficialmente um tamanduá

Oficialmente, era um tamanduá. O DNA não batia, as proporções estavam todas erradas e a coisa não tinha sequer pelagem, mas alguém carimbou e encerraram o caso. Ninguém se importava, essa era a verdade. A vítima estava morta, o bicho também, não havia porque investigar mais. No fim do dia, foi todo mundo pra casa tomar uma gelada. Poderia ter terminado assim pra mim, infelizmente havia uma diferença entre eles e eu: eu ouvi as palavras.

A Loja

Parecia um dilúvio, mas talvez fosse questão de perspectiva. Já era raro a cidade ver chuva, ainda mais tanta água assim em novembro. Longe do carro, Alberto e Amélia corriam como ratos em busca de abrigo, uma marquise que fosse. A esperança de encontrar algum lugar funcionando no feriado já chegava ao fim quando viram um neon de “aberto” exibindo seu exuberante azul em meio aos pingos. Entraram.

O Gato

Viu o gato saltar pela janela. Quando o olhar voltou-se ao centro da sala, percebeu o corpo, um dos sapatos a dois passos de distância. Concentrou-se no sapato. Vermelho, salto de alturas vertiginosas, manchado com um outro tom da cor. Ficou ali encarando o calçado, pensando em números. Trinta e oito? Quarenta? Definitivamente quarenta. Mas qual mulher calça quarenta? Perguntou a si mesmo recebendo uma resposta imediata do próprio cérebro: Várias, seu imbecil, agora chame a polícia.